Em 2016 fui ao Equador com a missão de documentar histórias de mulheres beneficiadas por linhas de micro-crédito. Das seis pessoas para fotografar, Juana é a mais inspiradora. Recoste-se na cadeira, relaxe e passe um minutinho aqui comigo conhecendo um pouquinho sobre ela.
"Anita, Anita! Hoje o jantar vai ser especial para você!", grita Melanie, uma menina de nove anos que vive com a mãe, Juana, no vilarejo de San Juán de Ilumán, no norte do Equador. Nos Andes Equatorianos eu sou "Anita". Você também teria seu nome mudado para algo terminando em "ito" ou "ita", não importa sua idade ou altura.
A casa de Juana não é exatamente pequena. São dois quartos, cozinha e espaço para uma sala. No entanto, lonas no lugar de telhas e rebocos aparecendo mostram que a casa não está acabada. Na verdade, ela está da mesma forma há dez anos, quando o ex-marido de Juana começou a levantá-la. Na época, Juana já tinha outras três filhas, já casadas, vivem em suas respectivas moradias. Quando o esposo soube que Juana estava grávida novamente, resolveu construir uma nova casa. "Agora sim, vou ter um filho homem, finalmente!", dizia empolgado.
Mas não foi bem assim. Poucos meses depois de a sorridente Melanie nascer, Juana recebeu a notícia que o marido iria embora. "Ele disse que não queria continuar casado com alguém que só tinha filhas mulheres.", conta Juana, enquanto descasca as batatas para o jantar. "Ele foi embora e logo casou com outra, que engravidou e ... adivinha? Teve uma filha mulher!", diz, jogando a cabeça para trás em uma gargalhada.
Com isso, Juana teve que pensar em formas de sustentar a ela e a Melanie. Passou a revender roupas de porta em porta. "O pessoal não paga. Pede fiado e eu fico com pena, né. Acabo vendendo. Só tinha prejuízo." Ao passar perto de uma plantação de morangos veio a ideia de vender frutas. De porta em porta, em vilarejos maiores. E é isso que vamos acompanhar.
Depois do jantar, Juana mostra o lugar que vou dormir: o quarto de Melanie. "Hoje ela dorme comigo. Tem TV aqui, ó. Toda noite assisto essa novela antes de dormir." Conto para ela que a novela é do Brasil. Ela ri e diz: "Não vai ficar acordada até tarde hein? Amanhã a gente acorda cedo." Como estou longe de ser noveleira, desligo a TV e vou descansar, depois de Melanie mostrar o armário que ganhou da mãe. "É bonito né? Escrevi até meu nome aqui, com corretivo, para as minhas primas saberem que é meu."
Três e meia da manhã, Juana já está preparando os baldes de morango que irá vender durante o dia. Ela se despede da filha e ajeita um balde em cada mão. Não tomamos café-da-manhã. Não há tempo.
Seguimos em uma caminhada de 20 minutos (a passos largos) até a avenida mais próxima. Não há parada de ônibus e sim, uma caminhonete. Subimos na carroceria aberta por duas horas, sob o vento gelado da madrugada andina, até chegar à rodoviária. De lá, seguimos de ônibus até a cidadela de Cahuasqui.
Juana prepara a kepina (tecido usado pelos Quechua para carregar tudo - de compras a bebês) com um nó forte nas costas. Nela irá um dos baldes com 10 quilos de morango. O outro é deixado em uma vendinha. "As pessoas são minhas amigas, sempre deixo o balde aqui enquanto vendo. Se eles quiserem podem comer um pouquinho de morango, não tem problema."
Começa a jornada. Juana já tem sua 'lista de clientes'. Chama nas casas certas, onde alguns clientes pagam os morangos da semana passada (o fiado continua...) e outros compram mais frutas. Todos já conhecem Juana, mas eu acabo chamando atenção. "Quem é você?"; "É sua filha, Juana?"; "De onde vem?"; "Por que está tirando fotos dela?"
Respondo as perguntas, outras surgem. "Mas por que ela? Existem outras vendedoras aqui no Equador." Digo que é porque ela é especial e vende os melhores morangos do país. Tão bons que vim do Brasil para comprar. "Enquanto isso os morangos batem na sua porta e vocês não aproveitam! Comprem também!", falo. E com isso o balde vai esvaziando rápido. "Anita, vou te trazer todos os dias pra vender! Costumo levar o dia inteiro pra vender dois baldes, hoje não passou nem duas horas e o primeiro já está vazio"
Rio, mas já estou com fome e sede. São quase onze da manhã e desde as três e meia Juana e eu não comemos nem bebemos nada. Paro em uma vendinha e compro o que encontro: biscoitos e água. Divido o lanche com Juana e pergunto se ela não tem sede, já que o ar seco da cidade na qual não chovia há dois meses me fez tomar duas garrafinhas de água de uma vez só. "Já estou acostumada. E normalmente tenho que andar bastante pra vender. Hoje que está diferente!", sorri. "Mais meia horinha e chegamos na casa da minha amiga Esmeralda. Lá eu bato-papo e descanso. As amigas ajudam por aqui. Você vai ver."
Além de vender, Juana também faz escambo. Paramos algumas vezes durante a caminhada para ela trocar morangos por feijão ou outras frutas. "assim eu não preciso ir na feira", diz, enquanto recebe algumas granadillas - uma espécie de maracujá andino.
Hora do almoço. Chegamos à casa de Esmeralda, amiga de Juana.
"Juanita me ajudou muito vendendo fiado quando não tinha dinheiro pra pagar. Hoje minha netinha já espera na janela pelos morangos"
"Juanita trabalha muito. Preparo um chá com queijo para ela sempre que posso. Também dou uma garrafinha de água pra ela. A mulher não toma água, você acredita?', diz Esmeralda, enquanto Juana lava as mãos sujas de poeira.
Nos despedimos e continuamos a jornada. Por onde passa, Juana distribui sorrisos e, às vezes, até morangos de graça. "Olha essa menininha, parece minha filha. Deve estar com fome. Vou dar uns morangos pra ela."
Descemos novamente até a praça central para buscar o segundo balde.
Vejo um pequeno restaurante e digo à Juana que precisamos almoçar. Ela desconversa e diz: "Pode ir Anita, eu vou ficar aqui fora te esperando."
Digo que ela é minha convidada. Ela sorri e diz: "Obrigada Anita, depois dou uma sacola de morangos para você!"
Acabado o almoço e com o segundo balde em mãos, voltamos ao trabalho.
"Juanita, Juanita, vem aqui!". Quem chama é Rosa (ou Rosita), que escolhe feijão na companhia dos dois filhos pequenos.
Juana começa a conversar com a amiga e as crianças ficam curiosas comigo e com a câmera. O menino, de uns dez anos, tenta chamar a atenção gritando e chutando os cachorrinhos da família. Então, volto a minha atenção para a menininha, que come um doce de abóbora e se esconde por trás da cortina.
Faço uma foto dela e o menino, pega o doce e o joga no chão. A menina chora e a mãe diz. "Poxa, fazia tanto tempo que ela estava pedindo alguma coisa doce para comer. Agora que consegui vem você, Pablo, e joga o doce dela fora?"
Procuro o pacote de bolachas que tinha comprado pela manhã. Só resta uma. Entrego para a menininha, que imediatamente começa a sorrir, ainda com os olhos cheios de lágrimas. Juana e olha e diz para Rosa: " Essa é minha amiga Anita, ela é do Brasil."
Mais algumas vendas depois, os morangos acabam e vamos para a rodoviária.
São três da tarde, hora de voltar para casa. Juana senta no ônibus e dorme, quase que imediatamente, exausta. Faço uma foto e durmo também.
No próximo post, chegamos na casa de Juana, onde Melanie espera a mãe depois de chegar da escola. Até mais!