A história por trás da foto traz o retrato de Elisabeth, uma menina menonita que vive em uma comunidade na América do Sul. Vamos lá?
O ano era 2014. Depois de muito pesquisar, finalmente consegui visitar uma comunidade menonita, religião cristã que descende diretamente do movimento anabatista que surgiu na Europa no século XVI, na mesma época da Reforma Protestante. Para uma fotógrafa, o que chamou minha atenção foi a maneira de se vestir, que lembra muito a dos amish.
E tal como os amish, os menonitas também não são muito afeitos a fotografias. Esse fato, no entanto, não impediu minha ida a uma colônia, onde todos os moradores me receberam com muita receptividade, oferecendo biscoitos, mate e contornando minhas perguntas sobre a cultura menonita. Por isso, vamos falar sobre a história da foto em si, ok? :)
Uma das famílias que me acolheu foi a de Juan, que mora na colônia com a esposa e os quatro filhos na desde criança. Mexicano, mudou com os pais para a América do Sul em busca de novas oportunidades.
A esposa de Juan ficou por quase toda a visita dentro da cozinha, saindo apenas para me oferecer um mate. As mulheres menonitas costumam ser bem discretas, e nessa colônia, apenas os homens e meninos falam espanhol. Mulheres, meninas e moradores mais velhos falam um dialeto chamado 'alemán bajo', já que o Menonismo tem raízes suíças, alemãs e russas.
Juán diz que a esposa é tímida e não entende nossa conversa, por isso fica na cozinha. A filha Susan entende algumas palavras de espanhol e vem tentar conversar. Já o menino Ernesto nos acompanha o tempo todo e ainda me oferece chocolates.
Depois de algum tempo, Maria, outra filha de Juán, aparece para passar roupa. O pai explica que elas aprenderam a costurar desde pequenas, para ajudar a mãe a seguir a tradição menonita de fabricar suas próprias vestimentas. Entre uma xícara de mate e outra, uma criança atravessa a sala correndo:
"Essa é Elisabeth. Duvido você fotografá-la. Ela é mil vezes mais tímida que a mãe.", fala Juan, em tom de desafio.
Mal tenho tempo de responder quando Ernesto e Juán me chamam para visitar outras casas, pois queriam mostrar a carpintaria da colônia, conhecida por seus móveis de madeira maciça com detalhes cuidadosamente talhados. Eles explicam que a venda de móveis para 'o mundo de fora' é uma das principais razões que os homens menonitas aprendem a língua espanhola. A saída de móveis é tanta que não encontrei uma única peça pronta para fotografar.
No fim do dia, volto à casa de Juán onde ele me espera com bolinhos, água fresca e mate. Ernesto pede para ver as fotos que fiz e fica empolgado ao ver os amigos na câmera. Já eu, estava com aquela sensação de 'passei o dia num lugar incrível e não fiz nenhuma foto que eu tenha gostado de verdade".
Então, olho para frente e vejo alguém me espiando pela janela:
"Olha, olha! É a Elisabeth! Você precisa tirar uma foto dela!" - fala Ernesto, entusiasmado.
Depois de um dia andando debaixo de um sol de 40 graus (sim, faz calor lá, apesar de as vestimentas menonitas darem a impressão do contrário.), eu já estava com a mochila aberta para guardar a câmera. Mas depois de Juan mandar o filho ir buscar a menina, eu resolvi que a foto dela seria última daquele dia.
Logo quando a menina apareceu, percebi que aquela era mais uma chance de fazer uma foto da qual eu gostasse. Digo mais uma porque quase todos os retratos que fiz naquele dia tinham saído estranhos, com expressões desconfortáveis, talvez por conta da timidez dos menonitas que encontrei.
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Com a Elisabeth não foi diferente. Quando eu apontava a câmera para ela, ela ria e voltava para dentro de casa. Até eu conseguir fazer essa, enquanto ela olhava para o irmão.
Quando vi o resultado, tive uma espécie de deja-vu de alguma pintura renascentista, não sei bem porquê. O que sei é que nessa hora resolvi aceitar o desafio de Juan e tirar uma foto da filhinha dele.
Para isso, resolvi sentar, voltar a conversar e fingir que nada estava acontecendo. Ela achou que eu não iria mais prestar atenção nela e voltou.
Depois de perceber que as atenções não estavam mais voltadas a ela, parou perto dos cachorros da família e ficou olhando para o nada, pensativa.
Ernesto resolveu ajudar e disse no dialeto alemão: "Vamos jogar bola, Elisabeth? Mostra pra ela como você consegue jogar!"
Quando vi que ela estava confortável o suficiente, me aproximei, já esperando que ela fosse sair correndo ou dar um sorrisinho tímido. Mas foi só eu apontar a câmera que a menininha banguela se transformou:
Elisabeth não era mais aquela criança tímida e não estava sem jeito. Nem o nariz sujo de chocolate enfraqueceu a expressão forte, confiante, quem sabe a realidade por trás da imagem frágil daquela menina. Naquela hora, eu soube que tinha feito a foto que eu queria. Mas obviamente, continuei.
Queria uma foto que mostrasse a oficina de Juan, um retrato ambientado, mas não sabia se ela mudaria de ideia. As três fotos foram feitas no mesmo minuto. E depois dessa, mostrei o resultado para ela, porque em 99% das vezes, o retratado fica mais desinibido ao se ver na câmera.
Foi mais ou menos o que aconteceu com Elisabeth, que abriu o sorriso banguela e saiu correndo para dentro de casa.
Ao ver as fotos, Juan ficou feliz: "Olha só, está igualzinha minha esposa quando nos conhecemos. Elisabeth está crescendo!". Ernesto gargalhou ao ver o nariz sujo de chocolate da irmã. Eu, ainda esperei por um bom tempo na esperança de que ela voltasse. Depois de mais ou menos uma hora, resolvi ir embora, pois já sabia que o primeiro retrato era o que 'estava valendo'. Ao me despedir da família, olhei para janela de novo:
E quando abaixei a câmera, ela acenou, deu um sorriso tímido, mas pra mim o que conta é a primeira expressão, no primeiro contato 'frente a frente' com a câmera.
Uma foto nunca é apenas uma foto. O que você achou dessa? Conta pra gente nos comentários abaixo! :)